quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

FC do B na Tribuna


Queridos amigos,
O FC do B foi matéria de domingo no caderno de cultura da Tribuna de Petrópolis. Ganhei minha segunda entrevista e espero ter dado a importância devida a esse grande concurso.
Pra variar, não consegui escaneá-la, mas fotografei e estou postando. Dá pra ter uma ideia.
Estou muito feliz com a reportagem e queria mandar um agradecimento especial a jornalista Andressa Canejo pelo grande apoio.
Obrigada a todos pelo ano maravilhoso de 2009, e como essa é minha última postagem do ano, aproveito para lhes desejar um 2010 cheio de realizações e alegrias.
Beijos,
Alícia

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Feliz Natal!



Queridos Amigos,


Desejo a todos um maravilhoso Natal, muitas felicidades e muitos presentes!


Beijos,

Alícia


quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Convite para FC do B




Queridos amigos,

Está aqui o convite para o lançamento do FC do B. Espero poder vê-los lá. Estou super feliz de ter ganho esse concurso e quero compartilhar essa felicidade com todos vocês que me apóiam e acompanham o meu blog. Essa conquista também é de vocês, pois eu não conseguiria sem o incentivo e o carinho que vocês demonstram pelas minhas estórias.

Um beijo,
Alícia

P.S.: Infelizmente tive de desmarcar minha ida a São Paulo para o lançamento. Quem puder ir, depois me fala como foi. Isso me deixou muito triste, mas tenho certeza que outras oportunidades surgirão.

sábado, 28 de novembro de 2009

FC do B será lançado pela Tarja Editorial


Queridos amigos,
Com lançamento previsto para 17 de dezembro de 2009 (ainda sem confirmação) a Tarja Editorial deu uma cara nova a essa segunda edição do concurso FC do B. São 208 páginas cheias de ficção científica para os fanáticos pelo gênero. E meu conto está lá no meio...
Infelizmente ainda não tenho os detalhes do lançamento para ceder a vocês, mas assim que tiver, estará aqui. O livro está com pré-venda para o dia 18 de dezembro e tem desconto de 30% pela editora. Tudo que eu sei, podem saber através do site da Tarja:
Assim que eu souber o quando e o onde, conto pra todo mundo...
Beijos

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

O que vem por aí...

Queridos Amigos,
Mais dois contos no forno...


O primeiro é "Mnemosine", para o FC do B - Panorama 2008/2009.

O segundo é "O Sorriso de Berenice" para a antologia Poe 200 Anos, uma bela homenagem a Edgard Allan Poe e suas estórias extraordinárias!
Depois eu confirmo as datas dos lançamentos e dou mais detalhes.
Obrigada a todos pela força!!!
Beijos,
Alícia

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Tô na mídia!

Queridos amigos,




Mais uma vez a sorte me beneficiou. Esta é a foto da página do Jornal Tribuna de Petrópolis para quem eu dei a primeira entrevista da minha vida.

A entrevista ficou linda e me abriu várias portas. Deixo aqui um enorme agradecimento a jornalista Andressa Canejo pela sua dedicação, e aqueles que leram. Assim que eu conseguir escanear a matéria vou postá-la para que todos possam ler melhor (sei que a qualidade está ruim agora, mas dá para ter uma idéia).






Essa foi minha segunda façanha, e segunda entrevista. Fui convidada a participar do Programa Rádio na TV da TV Cidade Imperial. Adorei a experiência, apesar de estar em pânico...
Posto o vídeo para vocês assim que estiver com ele.


Logo terei mais notícias!

Dessa vez Alluim foi deixada de lado, mas a literatura fantástica nunca será! Continuem acompanhando...


Beijos,
Alícia

sábado, 3 de outubro de 2009

Lançamento



Querido amigos,

O lançamento foi super legal! Devo até confessar que fiquei com um medinho de encarar a galera (sabe aquele friozinho na barriga?) mas no final foi ótimo.
Aos que foram, meus eternos agradecimentos pela força e o apoio nessa hora tão importante para mim.
Aos que não puderam ir, também agradeço pelo suporte diário nos acessos ao meu blog.

Para quem quiser adquirir um exemplar, podem comprar na Livraria Cultura.com, na Livraria De A a Z no Hiper Shopping ABC em Petrópolis ou comigo com desconto (e dedicatória) é claro. Só precisam entrar em contato e combinamos tudo...

Fiquem de olho que teremos mais surpresas...

Dessa vez Alluim foi deixada de lado, mas a literatura fantástica nunca será! Continuem acompanhando...

Beijos,
Alícia

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

A Assassina do Reino do Gelo




“Sabemos o que somos, mas ignoramos o que podemos tornar-nos.”
Ato IV, Cena V de Hamlet. W. Shakespeare


Capítulo um: A morte é apenas o começo

Sua alma estava em agonia. Tudo fugia ao seu controle. Talvez nunca tivesse tido o controle real das coisas, mas aquela crença a fortalecia, a tornava mais humana. Tinha medo de perder isso, pois sabia que alguns caminhos não têm volta. Naquela noite mais escura que de costume, seus pensamentos a atormentavam. Olhava o corpo inerte sobre a cama ao seu lado e tentava obter um pequeno vislumbre do seu futuro daquele momento em diante. Será que tudo que amava estava fadado a perecer?
Sentia-se sozinha mais uma vez. Aquele homem ali deitado tinha lhe dado uma perspectiva quando tudo parecia sombrio, e agora ele se foi. Uma dor profunda invadia o seu corpo, mas ninguém mais deveria saber disso. Aquela dor pertencia somente à ela, e a mais ninguém. O ranger da porta a despertou de sua tristeza e a familiaridade da voz que ouviu acalentou o seu coração.
- Nix, está bem?
- Sim.
Sua voz soava trôpega. Olhou para o jovem na porta tentando ocultar seus sentimentos, mas foi em vão. Ele a conhecia e sabia que ela não estava nada bem. Sempre tinha sido transparente e honesta com ele. Aproximou-se de Nix e segurou suas mãos trêmulas. Puxou a moça e a levantou da cadeira. Abraçou-a com grande ternura e permaneceu assim por um longo tempo. Uma lágrima fugidia escorreu pela sua face alva e morreu no ombro de seu amante.
Jorhar era um homem forte e bonito, com traços finos, e estavam juntos há pouco mais de um ano. Era difícil manter um relacionamento com todos os segredos e as imposições da guilda, mas eles tentavam. Encontravam-se escondidos, viviam de momentos, mas nunca deixaram que nada fosse um empecilho. Certas coisas, no entanto, deveriam perseverar sobre outras, e umas dessas coisas era a guilda. Agora chegara a sua hora. A hora de mostrar que toda a fé que o velho mestre havia depositado nela não tinha sido em vão. Era a hora de reivindicar o controle da guilda dos assassinos de Seleska como seu mestre queria que fizesse. Empurrou Jorhar suavemente com as mãos e o olhou diretamente nos olhos. Seu rosto havia encontrado a serenidade que sua alma tanto procurava. Estava impassível e decidido a honrar o último pedido de um homem.
- Tenho que ir, Jorhar.
- Eu sei. O conselho a aguarda. Finalmente vai receber sua missão.
Um pequeno sorriso foi esboçado no rosto do jovem, mas não recebeu nenhum em retorno. Aqueles olhos frios o observavam. Não tinha vontade de sorrir, nem mesmo tinha vontade de chorar. Aos poucos sepultava no âmago de seu ser aquela dor que sentia, e, não queria sentir mais nada. Uma fina camada de gelo se formava sobre seu coração. Estava na hora de se tornar aquilo que deveria ser. Estava na hora de se tornar uma assassina.
- Tenho que fazer o que tiver de ser feito.
- Nunca vi você assim, Nix. O que está acontecendo?
Ela permaneceu algum tempo em silêncio. Olhava para o corpo do velho mestre sobre cama, mas não o via. Sua mente estava longe.
- De repente, eu me dei conta de que matar pessoas não me torna uma assassina.
- Como assim? Você é uma assassina.
- Todas as pessoas que eu matei não fizeram de mim uma assassina.
- Você está bem? Parece confusa.
- Ele sempre me disse que qualquer um é capaz de matar. Faz parte da natureza humana. Independente do motivo, os seres humanos matam uns aos outros desde o início dos tempos. Um assassino não é aquele que mata pelo ato, é aquele que mata pela essência. Um psicopata, um desajustado, um louco ou uma mãe protegendo seu filho são capazes de matar, e o fazem, mas nem por isso deixam de ser o que são. Um assassino é aquele que tem como ofício matar, e o faz porque tem que fazer. É isso que ele sabe fazer, essa é a sua vida. Um assassino é uma arma, e armas não sentem. Entende o que eu quero dizer?
- Na verdade não.
- Um assassino é um ponto de equilíbrio social, é aquele que mantém a ordem, que balanceia a equação da vida pelo simples fato de controlar a morte. Ela faz parte de sua vida. Para um assassino, não existe culpa em matar. Não estou preparada para isso.
- Claro que está.
- Ainda vejo os rostos deles quando vou dormir. Estão sempre me lembrando de que um dia terei que pagar pelo que fiz. Não quero fazer isso. Vamos fugir, Jorhar.
- Isso é besteira. Os mortos estão mortos, não podem fazer mal aos vivos. Você é a melhor, e ele sabia disso. É por isso que o conselho te chamou. Essa missão vai te dar o controle da guilda. Seu lugar é aqui. Se fugir, nunca terá paz.
- Você não entende. Não quero o controle da guilda, nunca quis. Essa missão não vai me dar nada, só vai me tirar.
- Tudo bem, com certeza vai ser perigoso, mas duvido muito que todo esse discurso seja porque está com medo de morrer.
- Não tenho medo da morte, mas existem coisas piores.
- O que pode ser pior?
- Perder o que te faz ser humano. Foi por isso que eu deixei Encruzilhada. Foi por isso que retornei a Seleska. Não estou preparada para o que eles querem de mim.
- O velho mestre teria vergonha de ouvi-la assim. Ele te escolheu porque achava que você estava pronta, se tivesse ouvido isso talvez escolhesse outra pessoa.
Alguma coisa estalou em sua mente. Como tinha sido tola todo aquele tempo.
- Talvez por isso ele tenha me escolhido.
Nix fechou seu semblante sério num silêncio profundo. Afastou-se de Jorhar. Podia sentir a inveja dele. Nunca tinha reparado antes, mas naquele momento as coisas tinham ficado claras para ela. O desdém com o qual ele falava. A pequena irritação na voz. Era tudo sutil. Todo aquele tempo ele sempre tinha se sentido inferior a ela. Diminuído. Seus sentimentos por ele tinham obscurecido seu julgamento, tolhido sua razão. Seu mestre havia lhe prevenido e agora sentia-se um poço de arrogância por não tê-lo ouvido. Jorhar sempre quis o poder e estava disposto a pagar o preço que ela não ousava pagar.
Precisava reparar o erro que havia cometido, precisava cumprir o seu destino.

Capítulo dois: As duas faces da mesma moeda

Andava pela grande malha de túneis subterrâneos até a antecâmara debilmente iluminada. Não sabia o que a aguardava no final, mas sabia que a sua vida estava prestes a mudar. Não queria aquela mudança, mas agora não tinha mais volta. Suas crenças já tinham caído por terra há longos anos e estava cansada de fugir. Por toda a sua vida tinha fugido. A morte sempre esteve a sua volta, agora, estava na hora de tomar a morte em seu favor e fazer aquilo que tinha nascido para fazer.
Parou de frente para a grossa porta de madeira que ficava em um dos cantos da antecâmara. Respirou fundo antes de bater. De dentro uma voz rouca a mandou entrar. Abriu a porta, como abrira tantas vezes antes, entrou e a fechou atrás de si. A cadeira e a mesa de seu velho mestre estavam no mesmo lugar, mas não era ele sentado nela.
Os cinco anciões estavam dentro da câmara aguardando-a. Estavam sentados em um semicírculo e a observavam atentamente. Ela sabia que deveria se sentar em silêncio e ouvir o que tinham a lhe dizer, e foi o que fez. Depois de algum tempo, o ancião sentado na cadeira de seu velho mestre falou. Tinha o cansaço estampado no rosto, mas grande vigor na voz.
- Lako era um homem muito sábio e respeitado. Ele tinha uma visão muito especial de Seleska. Acreditava que a grande Cidade do Gelo poderia voltar a ser forte como antes, mas morreu sem ver seu sonho se concretizar. Por algum motivo que não compreendemos, ele queria que você fosse o seu legado. É por isso que está aqui hoje.
- Durante longos anos Seleska ficou mergulhada numa guerra civil. – Falou outro ancião. – A Rainha investiu sua força contra o seu próprio povo para anexar e submeter todas as aldeias vizinhas e expandir seu império até os limites dos Reinos da Terra e do Vento. Os que resistiram foram mortos. O poder da guilda se enfraqueceu e fragmentou. Hoje existem quatro guildas em Seleska, a dos ladrões, a dos mercenários, a dos corsários e a dos assassinos. No entanto, só pode haver uma.
- A guilda dos assassinos é a mais forte e deve controlar as outras. – Falou o terceiro ancião. – Lako sabia que enquanto as guildas estivessem fragmentadas e em guerra, os negócios não prosperariam. Hesitamos muito em concordar com o pedido dele, mas, se você realmente for capaz de realizar a última tarefa que ele lhe deixou, acreditamos que estará capacitada para assumir o controle.
- Sua tarefa é unificar as guildas em uma única controlada por você. – Falou o quarto ancião. – Estamos velhos, e logo morreremos. Assim como Lako, não queremos ver o trabalho de nossas vidas perdido. Em toda a Alluim vemos nossa espécie desaparecer, caçados e exterminados como animais. A única guilda que sobreviveu foi a de Encruzilhada, e isso só foi possível porque ela continuou unida e forte. Uma mulher a controla hoje, talvez esse seja um sinal de que chegou a hora de mudarmos.
- Não acreditamos que esteja preparada, mas Lako acreditava. Sendo assim, queremos saber se está disposta a prosseguir com isso. Aceita? – Perguntou o último.
As palavras ecoavam em sua mente. Não tinha realmente uma escolha. Ou fazia o que estavam mandando ou teria que fugir de novo, e ser caçada onde quer que fosse. Eles não a deixariam viver. Era a sucessora de Lako, e só teria valor, quando provasse esse valor. Se não o fizesse, deveria ser silenciada. O poder ou a morte? Qual a melhor opção? Hesitava em aceitar a missão, mesmo porque o que eles estavam propondo era suicídio. Era impossível para uma única pessoa se infiltrar nas três guildas e eliminá-las. Levaria muito tempo e não tinha idéia de como fazê-lo. Mas não tencionava morrer, e viver com medo não era viver. Tinha que escolher, e naquele caso, o poder e a morte eram a mesma coisa. Tinha um só caminho para seguir. Respirou calmamente e anuiu com a cabeça.
- Sabia que concordaria. – Disse o ancião que falara por último. – Lako deixou uma carta para você. Disse que nela você encontrará a sabedoria necessária para fazer o que deve ser feito. Em uma semana a lua estará cheia e a transição deverá estar concluída. Vá em paz.
Nix se levantou e saiu da sala sem olhar para trás. Admirava o selo rubro da carta. Era a marca do anel de seu mestre. A marca da guilda. Contemplando a bela curvatura do dragão estampado, lembrou-se de Selene, o grande dragão negro, a guardiã dos mortos e senhora daquelas terras. Lembrou-se do sangue que corria em suas veias e do dom que a acompanhava. O dom que lhe tirara a família e que lhe obrigara a seguir esse caminho. O dom que lhe dá direito ao trono de Seleska. Um trono que ela jamais pretendia reivindicar.

Capítulo três: O adeus

Querida Nix,
Sei no fundo de meu coração que esse não é o seu desejo. Sei que você ainda sonha e ainda deseja viver em um mundo melhor. Já fui assim um dia, mas percebi que a melhor maneira de conseguir o que eu queria era através da guilda. Ao controlá-la, você poderá moldar Seleska à sua vontade, para o bem e para o mal. Não existe mais ninguém capaz de fazer o que lhe pedi, e se está lendo isso, é porque aceitou. Sendo assim, através dessa carta vou lhe dar minhas últimas orientações.
A primeira é que não tenha medo. O caminho que estás prestes a trilhar é o oposto. O medo é seu aliado. Você deve causar medo e não senti-lo. Por via de regra, devo te dizer agora, que qualquer sentimento que tiver irá lhe enfraquecer. Esqueça-se deles. Viva única e exclusivamente através de sua razão. Observe, examine e execute. Nunca haja por impulso ou paixão. Seja como a fina camada de gelo que cobre os picos eternos das montanhas.
A segunda orientação é que você tem um encontro. Dois dias depois da minha morte, ao nascer do sol, você deve subir a Montanha da Névoa e encontrar três aliados na minha velha cabana. Eu os infiltrei nas outras guildas e eles a ajudarão e seguirão. Existe também mais um lugar que deve ir. Ao leste da cabana, em uma trilha reta de cerca de um quilômetro você vai encontrar um pequeno casebre incrustado entre duas encostas, debaixo de frondosos pinheiros. Ali mora Evora. Ela é uma velha amiga e vai te fornecer tudo o que precisar.
A terceira e última orientação que posso lhe dar é que provavelmente vão tentar te matar. Infelizmente muitos cobiçam o poder. Não deve confiar em ninguém, nem demonstrar fraqueza. Se souberem que podem te acertar, o farão, e antes que perceba estará conversando comigo no mundo dos mortos. Faça com que essa transição seja absoluta em todos os sentidos. Não deixe sequer uma única ponta solta. Não crie uma serpente por pena, pois ela pode te atacar no futuro.
Fique em paz, minha pequena.
Lako



Uma lágrima correu pelos olhos da jovem. A última que correria. Ficou sentada em seu quarto observando os pequenos rebuscos na caligrafia de seu mestre. Sentia muito a falta dele. Pensava em suas palavras e de repente percebeu que aquele caminho já tinha sido escolhido para ela há muito tempo. Lako teve o trabalho de infiltrar pessoas de sua confiança nas outras guildas. Tinha planejado sua ação, tinha calculado os riscos. E agora, tudo que ele lhe pedia era para terminar. Seria o seu desfecho, a sua obra prima. O mundo tinha se tornado um lugar sombrio, onde não mais existia amor, confiança e carinho. Seu mundo agora era a desconfiança, o desespero e a morte. Precisava afogar esses sentimentos. Precisava ser forte.
Enxugou os olhos e viu o pelo reluzente de Érebo deitado ao pé de sua cama. A bela pantera negra cochilava alheia aos sentimentos de sua dona. Ele era tudo que lhe sobrara agora, o único em quem podia confiar. Sentou-se ao lado dele e passou a mão em seu dorso macio. Nunca tencionou colocar-lo em perigo, mas ele, assim como ela, não sabia ser de outra forma. Era um guerreiro, um assassino. Forjado pela natureza e esculpido por ela. Qualquer que fosse o seu caminho, ele a seguiria. E na manhã seguinte o caminho deles seria a gélida Montanha da Névoa.

Capítulo quatro: A feiticeira da Montanha da Névoa

A suave brisa primaveril ainda trazia consigo o frio do inverno. A neve cobria todo o Reino de Seleska como um tapete branco algodoado. A trilha para a cabana era íngreme e contornava o bosque ainda congelado. Debaixo de seu grosso e comprido casaco de pelo de urso ela caminhava sobre a neve fofa sem nunca afundar. Érebo ia ao seu lado com seus passos elegantes e a habilidade de quem conhecia aquelas montanhas como ninguém. Trazia na mão um longo cajado reto, e, sob o casaco escondia sua couraça e suas armas. Não sabia exatamente o que encontraria, e apesar de confiar em seu mestre, não confiava naqueles que iria encontrar.
Chegou a cabana por volta da hora do almoço e comeu com Érebo um pouco dos suprimentos que levara. Deixou ali suas coisas e partiu pouco depois em direção à trilha leste. A trilha estava coberta pela neve e não era visível, mas, seguindo para o leste não demorou para avistar a cabana. Duas elevações rochosas se levantavam vertiginosamente do chão e quase se tocavam no topo. O arco que formavam era quase como um telhado natural para o casebre de pedra embaixo. A fina fumaça escura subia desviando das encostas, por entre a pequena brecha que se formava naquele arco até tingir o céu.
Parou na porta e por algum tempo ficou apenas olhando, sem saber exatamente o que deveria esperar. Quando levantou a mão para bater, a porta se abriu. Na penumbra da casa mal arejada ela pouco conseguia enxergar. Divisava a lareira acesa com um grande caldeirão borbulhante sobre o fogo. Várias ervas estavam penduradas no teto e ao redor da lareira, umas frescas, outras desidratadas. De frete para ela estava uma mesa comprida de madeira com temperos, condimento e potes com rótulos de uma escrita indecifrável. Deu um passo em direção àquilo que julgava ser a cozinha e virou-se para ver o resto da casa. Ao lado de uma janela de vidro embaçada pelo frio uma mulher estava sentada tricotando. A luz que invadia a sala não era suficiente para revelar o rosto da mulher.
- Você deve ser Nix. Ele me disse que viria.
A mulher levantou o rosto e olhou fixamente para Nix. Não era jovem, na verdade parecia bem velha, mas tinha um rosto muito bonito, sereno e calmo. Seus longos cabelos grisalhos lhe escorriam pelos ombros e suas mãos firmes não paravam um minuto de tricotar.
- Ele me disse que era jovem, mas nunca me falou o quanto era bonita. Venha. Sente-se aqui. – Disse a mulher apontando uma poltrona.
Nix deu um passo a frente entrando e logo atrás dela, vinha Érebo. A mulher olhou a pantera e deu um sorriso, mas não estava surpresa ou assustada, parecia mais deslumbrada. Era difícil imaginar o motivo daquele sorriso. Ela esticou as mãos e a pantera foi lentamente caminhando até ela. De uma distância Nix observava. Érebo chegou perto da velha e sentou-se próximo às suas mãos. A jovem estava pasma. Nunca o vira com um comportamento tão dócil com pessoas desconhecidas.
- É uma linda pantera. – Disse a mulher enquanto acariciava o pelo negro de Érebo. – Sabia que Selene escolheu as panteras para guardar os portões do mundo dos mortos? Elas não permitem que nenhuma alma daquele mundo retorne ao nosso. São criaturas fascinantes e magníficas. Capazes de um amor incondicional e de uma ira mortal, mas como tudo que é extraordinário, causam medo. Os seres humanos não sabem conviver com aquilo que temem. Os animais sentem esse medo e reagem a ele. Nunca tiveram uma relação muito promissora. Quer um chá?
Nix balançou a cabeça e agradeceu. Sentou-se onde a mulher tinha indicado e ficou olhando enquanto preparava o chá. Não sabia o que dizer, nem sabia ao certo o que estava fazendo ali.
- Evora, meu mestre falou que eu deveria procurá-la.
- Sim, ele falou.
- Disse que você teria tudo que eu precisar.
- De fato, tenho. O problema é que você não sabe o que precisa, e acha que eu devo saber. Sinto muito, mas eu não sei. Posso te arrumar venenos, ervas, soníferos, emplastos, poções, algumas armas e outras coisinhas.
- Você é uma feiticeira?
- Por que se preocupa com uma palavra, um rótulo. Sou apenas uma mulher, com um conhecimento maior que o seu. Nasci na Colina Sagrada, e conforme fui crescendo, fui recebendo as emanações do poder dos Dragões. Passei a ser treinada para me tornar uma sacerdotisa da Ordem do Dragão, e concluí o treinamento, mas aquilo não era o que eu queria. O mundo está cada vez mais caótico. As pessoas não acreditam mais nos Dragões que criaram a nossa terra, não fazia sentido permanecer ali, devotar a minha vida a uma crença em extinção. Peregrinei por toda Alluim e vim parar aqui. Faço o que eu sei fazer, assim como você faz o que sabe. Não devemos nos apressar em julgar os outros.
- Nunca foi minha intenção julgá-la. Estava apenas admirada de encontrar uma feiticeira tão longe da Colina Sagrada.
- Feiticeira é só um nome pejorativo para as sacerdotisas da Ordem do Dragão. Seria a mesma coisa que chamá-la de assassina.
- Não quis ofendê-la.
- Não me ofendeu. Chamar-me de feiticeira me ofende tanto quanto te chamar de assassina. Não é o que somos, mas sim o que fazemos que nos define. Eu controlo os quatro elementos, mas em um grau muito pequeno. Esse controle de uma pequena parte de todos os elementos combinados é o que se chama de magia. Tudo que eu faço é combiná-los e moldá-los. Mandá-los me obedecer, como você faz com a água, só que em menor escala. Jamais seria capaz de fazer o que faz.
Nix se calou. Ninguém sabia disso, nem mesmo o seu mestre, como aquela mulher podia saber? Aquele segredo não podia se espalhar. Não queria correr o risco de se expor por causa disso. Não queria correr o risco de ser caçada como todos os seus antepassados foram. Talvez devesse matá-la.
- Está pensando se deve me matar?
- Estou.
- Acredito que isso não será necessário. Há muitos anos fiz um juramento de proteger todos os herdeiros. Seu segredo sempre esteve seguro comigo.
- Como sabia?
- Sempre soube. Você é a razão de eu estar aqui. Devo protegê-la, pois chegará o dia em que você deverá deixar de ser a assassina e se tornar a rainha que nasceu para ser.
- Isso não acontecerá.
- Minha querida, o seu futuro já foi escrito muito antes de você nascer.
A mulher esticou uma xícara de chá de hortelã para Nix. Ela ficou observando Evora sorver o chá calmamente e só então bebeu. Não sabia se deveria ou não confiar. Érebo continuava docilmente deitado aos pés da velha e aquele comportamento não era compreensível para ela. A pantera parecia ter escolhido confiar cegamente naquela mulher, mas ela ainda duvidava.
- Vejo que ainda duvida de mim. Vamos fazer um acordo. Vou te dar uma demonstração gratuita. Leve isso com você.
- O que é isso? – Perguntou a jovem observando o pequeno frasco com o líquido transparente e o saquinho de pano enrolado com um pó dentro.
- Isso vai te ajudar amanhã, quando encontrar os homens que Lako quer que encontre.
- Vai me ajudar como?
- Deve beber o líquido do frasco e colocar uma panela de água para ferver na lareira. Quando a água estiver fervendo, jogue o pó dentro dela, antes dos homens chegarem.
- Como vou saber se não está tentando me envenenar?
- Seja racional. O que eu ganho com você morta?
- Não sei, o que você ganha?
- Nada. Jurei protegê-la, e por longos anos habito essas montanhas. É aqui que a Ordem quer que eu fique, é aqui que devo ficar. No entanto, tudo tem um preço. Meu confinamento é bastante penoso. Eu lhe dou o que precisa e você me dá o que eu preciso. Favores, dinheiro. Teremos uma relação comercial, por enquanto.
- O que é isso, exatamente?
- O pó é um composto concentrado que faz com que as pessoas que o aspiram digam a verdade. O líquido é o antídoto. Deve bebê-lo para não sentir os efeitos do pó. Tenho certeza que voltará aqui amanhã com novas encomendas. Lako confiava em mim. Érebo confia em mim. Por que você também não o faz?
- Porque não gosto de pessoas que sabem demais sobre mim.
- Mas esse é o verdadeiro significado de confiança.

Capítulo cinco: As alianças

O sol nascia tímido por detrás dos grandes picos nevados, mas ela já estava de pé há muito tempo. Uma panela de ferro borbulhava na lareira espalhando o vapor da poção da feiticeira por toda a cabana. Pouco depois da aurora ouviu batidas na porta. Calmamente foi até ela e a abriu podendo ver os três homens do lado de fora. Mandou que entrassem e se acomodassem e fechou a porta em seguida. Caminhou altiva atravessando a cabana e sentou-se próxima a pequena mesa onde seu chá fumegava. Observava detidamente os três homens e estudava as suas fisionomias. Sempre foi boa em ler as pessoas, e com eles não seria diferente.
- Viemos honrar a promessa que fizemos ao Senhor dos Assassinos.
- Quem são vocês? – Perguntou Nix, nutrida por uma curiosidade fora do comum.
- Sou Valkor da guilda dos ladrões.
- Sou Caboh da guilda dos mercenários.
- Sou Roja da guilda dos corsários.
- Vim assumir a promessa que fizeram. Sou Nix, sucessora de Lako.
Ela conversou com os homens por um longo tempo e percebeu que quanto mais aspiravam do vapor, mais se tornavam desinibidos e falantes. Um deles lhe chamou grande atenção, era Valkor. Era um homem relativamente jovem, com seus vinte e poucos anos, de cabelos negros e um semblante amigável. Ela simpatizou com ele desde o princípio. Seus olhos eram honestos, mesmo sem o concentrado, não via mentira nele. Valkor tinha lhe dito que a vida de ladrão não era muito proveitosa, e por isso tinha aderido a visão de Lako. A guilda era desordenada. Cada um queria ganhar mais que os outros, e viviam brigando entre si. O mesmo acontecia nas outras duas. Cada uma das três era comandada por um homem diferente, mas fora aquele homem, que parcialmente retinha algum respeito, não existia ninguém. Seus sucessores eram fracos e inexpressivos.
Lako havia lhes prometido unificar as quatro guildas sob um único comando. Prometeu que quando isso fosse alcançado ele dividiria Seleska em doze e colocaria doze homens, cada um responsável por uma das aldeias do Reino. Esses homens responderiam diretamente ao chefe da guilda e teriam uma certa autonomia para agir em seu território, desde que agissem de acordo com os interesses da guilda. Um poder único e absoluto, como estava descrito na carta. Tudo que Nix precisava descobrir agora era como consolidar isso.
Para o plano de Lako funcionar ela deveria eliminar os possíveis focos de resistência. Os três comandantes das três guildas e seus sucessores deveriam morrer. Pelo que pode entender, os cinco anciões também deveriam morrer, eles jamais aceitariam perder o poder que tinham. As guildas eram desarticuladas e sem consistência. Precisava semear a discórdia, precisava minar a estrutura interna delas. Já tinha três aliados para dividir as três guildas, agora precisava de um para a guilda dos assassinos, alguém que ela pudesse usar e descartar. E tinha a pessoa perfeita em mente.
- Seguirei o plano de Lako. Vocês precisam me ajudar a minar a integridade estrutural de suas guildas.
- Como? – Perguntou Caboh.
- Através da calúnia e da dissimulação. Voltarão aos seus afazeres e espalharão estórias sobre alianças, complôs, conspirações. Devem contar as mentiras as pessoas certas. Aos comandantes que seus sucessores pretendem assassiná-los. Aos sucessores que os comandantes os querem mortos. Aos que detêm alguma influência que os comandantes pretendem se aliar aos inimigos.
- Parece interessante. – Disse Roja intrigado com o plano. – Mas como isso ajudaria?
- Precisamos dividir para conquistar. Criando o caos interno eles não serão capazes de saber quem os atingiu. Eles precisam viver com medo.
- E depois que o medo estiver instalado? – Perguntou Valkor.
- Depois vou marcar um encontro. Devem se certificar que estarão no local do encontro, dentro de dois dias a meia-noite, junto com os comandantes e seus sucessores.
- Mas e a guilda dos assassinos?
- Eu cuidarei deles. A guilda dos assassinos não funciona como as outras. Eles não respondem ao medo, mas responderão a mim. Se tudo der certo cada um de vocês receberá uma das doze aldeias ainda essa semana.

Capítulo seis: Dividir para conquistar

Jorhar estava sentado na pequena taberna de Valaska bebendo sua cerveja. Ele esperava por Nix. Não a via há algum tempo e precisava lhe falar. Bebia de sua caneca metálica em silêncio em um canto, alheio ao movimento que o cercava. Contemplava pensativo o bruxulear das chamas da lareira. Permaneceu assim por um longo tempo até que sentiu o suave toque dos dedos alvos da jovem em seu ombro. Ela sentou-se e pediu uma cerveja.
À noite muitos homens iam às tabernas beber e esquecer o dia que tinha se passado, mas ela sempre ia naquela. Era ali que morava desde que chegou a Seleska, junto com seu mestre. Ele comandava a taberna que agora era dela. A jovem que acabara de contratar para servir as mesas ainda estava se adaptando ao serviço e volta e meia cometia um erro, mas Nix não se importava. Eram muitos bêbados para uma única pessoa servir, e Gima o fazia da melhor forma que sabia. Uma moça jovem e muito bonita, e trabalhava a pouco tempo. Tinha vindo de uma família abastada que fora executada por traição pela Rainha durante a guerra civil. Não se sabe bem como tinha escapado daquele destino, mas tinha encontrado um lar naquela taberna, e pretendia mantê-lo.
Nix terminou sua cerveja em silêncio, mas olhava fixamente para Jorhar. Ela esperava que ele tivesse algo para lhe falar, esperava que ele se denunciasse. Seus olhos eram indecifráveis, desde a morte de seu mestre tinha decidido que jamais seria transparente novamente. No entanto, precisava jogar a isca para poder pegar o peixe. Precisava fazer Jorhar acreditar no que ela queria que acreditasse.
- Eles pretendem matar-me. – Disse num sussurro ao ouvido do homem.
- Por quê?
- Se você tivesse o poder em suas mãos, o deixaria fugir?
Jorhar não estava entendendo. Largou a caneca sobre a mesa e segurou a mão de Nix. Puxou a moça em direção às escadas e subiu ao andar de cima onde ficavam os quartos. Dentro do quarto escuro, sentou-se na cama e apenas ficou parado observando a jovem assassina.
- Como sabe disso?
- Um informante. Eles pretendem me fazer concluir a missão e depois matar-me. Tenho certeza que alguém está me observando.
- Desista da missão então.
- Não posso. Lako me deixou uma carta dizendo que eu deveria eliminar os anciões. Acho que eles leram a carta, e sabem o que eu vou fazer.
- Qual é a sua missão?
- Não posso dizer, nem podia estar te contando da carta. Se eles souberem que eu sei estarei morta. Preciso da sua ajuda. Preciso que descubra quem eles vão enviar para me matar.
- Como?
- Ora Jorhar, você é um assassino, mate alguém, torture, dê seu jeito. Comece pelos aprendizes, deve ser um deles. O ancião de Jambu tem um aprendiz que ninguém sabe quem é. Tenho quase certeza de que ele é o escolhido. Descubra quem é e cuide disso pra mim, cuidarei do resto.
Ela o olhava com uma fragilidade capaz de derreter o mais frio dos corações. Tinha as mãos sobre o rosto de Jorhar e o encarava. Sentiu pena da jovem, perdida, ameaçada e bela em sua vulnerabilidade.
- Vou cuidar.
Ela o beijou. Ele se levantou e saiu. O peixe tinha mordido a isca. Precisava cuidar agora de outras pontas soltas. Desceu as escadas apressada e saiu para a cozinha da taberna. Na pequena dispensa subterrânea, detrás de vários barris e caixotes, tinha um pequeno símbolo desgastado pelo tempo. Um símbolo que quase ninguém conhecia. Uma pequena flor-de-lis entalhada. Pressionou a flor e a passagem para os túneis se abriu. Passou apressada e desapareceu na escuridão.

Capítulo sete: Da escuridão

Os representantes das três guildas tinham acabado de entrar no local do encontro. Estavam no convés de um dos barcos mercantes atracados no porto. O mais afastado, longe das luzes. Seus sucessores estavam com eles, mas era visível a tensão que circulava pelo lugar, quase não se suportavam. Infelizmente, ainda não tinham se matado. Valkor, Caboh e Roja tinham ficado no cais para impedir a entrada de qualquer outra pessoa.
Depois de algum tempo de espera, todos começaram a se impacientar. Perguntavam-se onde estava o maldito representante dos assassinos e por que tamanha demora. A tensão começou a aumentar. Focos de desavenças surgiram, espadas foram sacadas. Nyoh, comandante da guilda dos corsários decidiu ir embora.
- Essa palhaçada já foi longe demais. Vou sair daqui antes que vocês se matem.
A discussão se ampliou. Nyoh se encaminhou para a saída, mas de repente, o silêncio. Surgida das sombras na qual permanecera oculta todo o tempo, viu-se o vulto de Nix. Ela parou na proa do barco, ao lado do timão e ficou olhando, em silêncio os seis homens que estavam abaixo dela. Em nenhum momento puderam saber que era uma mulher que os observava de forma tão inquisitória. Não viram os seus olhos, mas puderam sentir que penetravam em suas almas. Ela estava coberta por sua capa preta com capuz que lhe escondia o corpo e o rosto completamente. Só ficava ali, parada, examinando a situação.
Depois de ter analisado todas as possibilidades de ataque, começou a descer lentamente as escadas que levavam ao convés. Seguia pelo lado mais escuro, pois queria as sombras como aliadas. Parou de frente para os homens e começou a falar. Sua voz suave e delicada ecoava pelo barco causando incredulidade aos que a ouviam.
- Venho lhes fazer uma oferta que não podem recusar. Estou assumindo o controle das quatro guildas. Os que aceitarem terão uma boa posição sob meu comando.
O silêncio foi quebrado. Uma gargalhada ressonante começou a surgir de todos os cantos da embarcação. Logo, todos os homens estavam rindo.
- É só uma mulher. E tem a petulância de vir aqui desafiar seis dos homens mais temidos de Alluim?
Nix ergueu o seu rosto pela primeira vez deixando a fraca luminosidade penetrar em seu capuz. Seu olhar frio e opaco fulminou os homens. Ela soltou sua capa sobre o assoalho e eles puderam vê-la em todo o seu esplendor. Vestia uma roupa comprida preta justa ao corpo. Por sobre a roupa usava a couraça grossa que vestia seu tronco como um colete. Na cintura pequenas pregas ajustavam o couro aos seus contornos. A partir dali, a couraça descia cobrindo as pernas na parte da frente e atrás com profundas fendas laterais deixando as coxas expostas, cobertas apenas pelo leve tecido negro. Suas botas grossas cobriam a base de suas pernas da mesma forma com as luvas protegiam parte dos braços. Seu longo cabelo negro estava preso numa trança que contrastava com o branco pálido de sua pele. Seus olhos jabuticaba mostravam um brilho sombrio que nunca tinham visto antes. Por todo o seu corpo havia armas. No seu tronco e em suas pernas várias adagas estavam presas, e nas suas costas, cruzadas, estavam duas espadas retas presas a armadura. Olhá-la era como ter um vislumbre da própria morte.
- Para a saúde de todos aqui presentes, peço para reconsiderarem essa resposta, ou arquem com as conseqüências.
Uma faca cortou o ar em direção a Nix. Com um giro rápido de seu corpo ela se desviou do ataque e quando voltou a posição em que estava antes a faca estava segura em sua mão direita. Nesse momento Érebo saltou da proa e parou ao lado dela com um enorme rugido. Os olhos da jovem começaram a mudar de cor. Estavam se tornando azuis. Uma névoa cada vez mais espessa começou a descer sobre o convés.
- Resposta errada.
Com essas palavras a faca pousada em sua mão voou e acertou em cheio o homem que a havia atirado. A neblina baixou por completo e se tornou tão densa que mal se enxergava um passo a frente. Nix sacou as espadas que estavam nas suas costas e investiu impiedosamente contra os homens. Érebo a acompanhou, e com um salto, voou na garganta de um deles e estraçalhou o pescoço. O sangue jorrava por todos os lados cobrindo o assoalho de carmim. Ela atacava os homens sorrateiramente. Uns nem sabiam de onde estava vindo o golpe. As lâminas se chocavam causando pequenas faíscas que se destacavam na névoa. Cada vez que a espada descia nas sombras ela retornava mais manchada de sangue. Do lado de fora do barco, Valkor, Caboh e Roja podiam ouvir os gritos de desespero, mas não conseguiam enxergar nada que se passava ali dentro.
Por alguns minutos houve silêncio. A névoa começou a se dissipar lentamente revelando o massacre que tinha ocorrido. Todos os homens estavam mortos, despedaçados. O sangue cobria todo o barco. Valkor Caboh e Roja atravessaram com grande receio a passagem e puderam ver o convés. Era uma verdadeira carnificina. Nenhum dos corpos estava inteiro. Em meio ao resquício de neblina eles divisaram Nix com suas espadas empunhadas. O sangue ainda pingava de suas lâminas. A pantera negra ao seu lado mostrava os dentes rubros. Estava coberta de sangue da cabeça aos pés. Um frio subiu pela espinha daqueles homens paralisando seus movimentos. Nunca imaginaram que aquilo seria possível. Ficaram atônitos olhando a mulher ensangüentada sobre as carcaças de seus inimigos. Foi então que a voz suave e impassível de Nix ecoou pela desolação, firme, mas sem expressar nada.
- Quero que memorizem essa imagem. Vão sair e contar a todos o que viram aqui. Vão descrever o medo que estão sentindo agora. Vão dizer que eu, Nix, estou assumindo o controle das três guildas, e que todos os que estiverem contra mim terão o mesmo fim desses homens. Estou disposta a ceder três províncias àqueles que se mostrarem mais fiéis a mim, e eliminarem meus inimigos. Estarei esperando pelos insatisfeitos. Não mexam nos corpos, quero que todos vejam que falo a verdade.
Ela guardou as espadas nas costas e caminhou lentamente até a passagem. Érebo ia sempre ao seu lado. Desceu da embarcação e parou no cais. Estava debaixo do poste e o crepitar da chama que iluminava o porto revelou toda a extensão de seu estado. Sua pele alva estava carmesim e seus olhos pareciam mortos, completamente inexpressivos como se fosse oca por dentro. Como se não sentisse absolutamente nada. Olhou novamente para trás e viu os homens embasbacados. Deixou o porto, entrou nos túneis e foi para casa.


Capítulo oito: Um coração partido

Um grande furor invadiu Seleska na manhã seguinte. A notícia do massacre de seis dos homens mais procurados no Reino chocou a Rainha Lija. Tentava imaginar quem fizera aquilo. No fundo a notícia a deixou muito satisfeita. Já enviara vários guardas em tentativas como aquela, mas todas foram mal sucedidas. Aqueles homens só causavam distúrbios por todos os lugares. A chacina tinha sido um benefício para Seleska. De qualquer forma não deveria deixar o ato passar impune. A ordem precisava ser mantida, mas sabia que jamais encontraria o autor. Ordenou um exame detalhado da situação, e quando seus homens encontraram as pegadas de Érebo disse que tinha sido um ataque de um animal, mas sabia que essa não era a verdade. Seu único medo era que, o que quer que tivesse matado aqueles homens, fosse muito pior do que eles eram. Se isso acontecesse seria quase impossível de conter.
Rumores se espalharam por todos os lugares. Estórias de encantamentos e bestas selvagens corriam vielas. Lendas surgiram dali. Mas alguns sabiam quem tinha feito e isso gelava o sangue de suas veias. O medo estava dominando seus inimigos, e Nix aguardava. Até aquele momento, tudo tinha corrido como planejara. O fim estava próximo agora. Ele viria até ela.
Depois de um dia de espera, exilada em seus aposentos, Jorhar bateu a sua porta. Sorria desajeitadamente e tentava conter seus próprios instintos, mas era tudo em vão. Ela sabia exatamente o que ele viera fazer. Tinha vindo matá-la. Pode ter certeza disso quando abriu a porta.
Por alguns instantes o examinou e quando pode perceber a tática que tentaria usar, relaxou seus músculos. Deu um sorriso charmoso como os de antigamente e abraçou Jorhar longamente. Passou os dedos cobertos pelas luvas no rosto dele e segurou sua mão, puxando-o para se sentar. Naquele instante ele se sentia bem. Tentava reavaliar o que devia fazer, e sentia-se mal por ter que fazê-lo. Pensava se haveria outro jeito, mas, acima de tudo, queria entender.
- Nix, por que você fez aquilo?
- Aquilo, o quê?
- Aqueles homens, no cais.
- Fiz o que tinha que fazer. Estou cumprindo a minha missão.
- Mas o modo como o fez... Até para um assassino... Foi terrível.
- Eu lhe avisei que matar as pessoas não me tornava uma assassina. Para se tornar uma assassina é preciso mais do que matar. É preciso se tornar aquilo o os outros mais temem, a soma de todos os seus medos. É preciso se tornar alheia, uma sombra, uma idéia. Incapaz de sentir, incapaz de amar. Incapaz de sofrer. E você é o meu teste final.
- Vai me matar?
- Já matei. Seu corpo está coberto com um ungüento venenoso que está entrando na sua corrente sangüínea enquanto conversamos.
O homem respirou fundo, como se sentisse um grande alívio. Como se um peso tivesse saído de suas costas.
- Isso é bom, não queria ter de matá-la. Mas não tinha outra escolha. Sou o aprendiz do ancião de Jambu, e você sempre foi a minha missão.
- Eu sei. Por isso estamos aqui. Tudo está no seu devido lugar.
- Agora eu entendo o que você me falou quando Lako morreu. A Nix que eu conhecia, e pela qual me apaixonei, morreu junto com ele. Você é apenas a carcaça dela controlada por uma sádica insensível.
- Você queria que eu aceitasse a missão, e sabia exatamente como ia terminar. Eu te avisei que eu não queria isso, mas agora não há mais volta. Não tente fazer com que eu me sinta culpada. Não existe mais culpa no que eu faço. Não é o que eu sou que me define, mas aquilo que eu faço, e o que eu faço é matar. Sou uma assassina.
Um pequeno espasmo começou a se espalhar pelo corpo de Jorhar. Seus membros eram incapazes de sustentar o seu peso. Tombou sobre a cama. Suas pálpebras mal se mantinham abertas. Por algumas vezes tentou falar, mas a voz falhou. Juntou o resto de suas forças e com seu último suspiro falou baixinho, num sussurro:
- Desculpe Nix, eu devia ter fugido com você. – E assim, morreu.
Ela curvou seu corpo sobre o corpo do jovem na cama e ficou num longo silêncio. Sabia que se eles tivessem fugido, tudo seria diferente, por mais que fugissem, tudo seria diferente. Queria chorar, mas não conseguia. O mal estava feito. Uma grossa camada de gelo envolvia seu coração. Não sentia mais nada. Foi então que ela se deu conta do que tinha se tornado. E agora, não havia retorno. Viu o calor deixar o corpo de Jorhar lentamente levando consigo seu último suspiro de humanidade.
Esperou anoitecer e arrastou o corpo do jovem pelos túneis. Parou em uma de suas milhares de bifurcações e sacou uma das espadas de suas costas. Com um único golpe, cortou a cabeça do homem. Colocou-a num saco de ráfia e partiu em direção ao inevitável.

Capítulo nove: A consolidação

Chegou a porta da câmara de seu velho mestre com o saco na mão. Sabia o que a aguardava lá dentro, mas não hesitaria agora. Bateu na porta e uma voz a mandou entrar, a mesma voz de antes. Abriu a porta e entrou, mas dessa vez, não eram apenas os cinco anciões que a aguardavam, mas lá estavam também, quatro de seus discípulos. Eles estavam atrás de seus mestres, atentos a tudo o que acontecia.
- Vejo que eliminou os comandantes das outras guildas. – Falou o primeiro ancião.
- Muito interessante a sua abordagem. – Falou o segundo.
- O medo é um excelente aliado. Não podíamos ter pensado em algo tão sublime. – Falou o terceiro.
- Aposto que a carta que Lako lhe deixou realmente lhe trouxe a sabedoria que precisava. – Disse o quarto de forma irônica.
- E agora, vem até nós, em busca do anel. – Concluiu o último
- Sim. Minha missão foi cumprida. Nenhum foco de resistência foi registrado em nenhuma das outras guildas. Os comandantes foram executados assim como os rebeldes. Agora quero o controle da guilda dos assassinos para unificar as quatro como meu mestre desejava.
- Agradecemos imensamente o seu esforço. Foi um trabalho divinamente executado. Mas, me responda uma coisa: agora que a guilda dos assassinos controla as outras guildas de Seleska, por que deveríamos lhe entregar esse controle?
- Porque devem honrar a sua palavra.
- Honra? Assassinos não têm honra.
- Se não existir honra, não passaremos de bárbaros. Eu dei a minha palavra a um velho moribundo, e pretendo cumpri-la.
- Como exatamente pretende cumpri-la? Acha que seus truques e suas espadas serão suficientes aqui? Não somos como os bárbaros que você executou no cais.
Não houve nenhuma alteração na voz da jovem desde que começara a falar, mas seu rosto também não demonstrava surpresa. Entrou ali sabendo exatamente o que esperar daqueles homens, e sabia o que devia fazer.
- Parecem-me muito mais bárbaros que eles.
Nix pegou o saco de ráfia o abriu e despejou o seu conteúdo no chão da câmara. Seus olhos permaneciam inalteráveis.
- Aqui está o homem que mandaram para me matar.
- Já entendemos o seu ponto. Então agora pretende nos matar?
- Eu não. Eles.
Nix apontou para os aprendizes e imediatamente suas facas foram sacadas e colocadas contra os pescoços de seus mestres.
- Lako me preveniu. Ele sabia que vocês não passavam de velhos decrépitos que há muito esqueceram o propósito da fundação dessa guilda. Vocês só pensam no poder, no dinheiro. Não reconhecessem mais honra ou fidelidade ou o simples princípio do equilíbrio. Desde que lucrem, nada mais importa. Seleska colapsou por falta de suporte. Podíamos ter dado esse suporte, ao invés de sentar e deixar o circo pegar fogo. Isso podia ter minimizado os efeitos da guerra civil. Não pretendo deixar Seleska colapsar de novo por negligência. Uma guilda forte mantém uma cidade forte, uma cidade forte, gera lucro. A guilda de Seleska será a maior de Alluim. Vou reconstruir o que vocês destruiram com base nos ensinamentos do meu mestre e conseguir o respaldo real. Seus dias acabaram. Vou comandar essa cidade a ferro e a sangue.
- E o que você prometeu a eles?
- Chegamos a um acordo muito promissor. Vou dividir as províncias de Seleska, e cada um deles ganhará uma para administrar. Ainda estarão submetidos a mim, mas com grande autonomia, principalmente financeira.
- Podemos lhes dar o mesmo que você.
- Não podem. As outras guildas responderão apenas a mim. Vocês não exercem nenhuma influência sobre eles. Meus homens a estão controlando. Não deixei nenhum ponto sem nó, e a peça final é vocês. Serão executados e descartados como prova de que uma nova era começou. A minha era.
Ela se virou e pegou o anel de seu velho mestre sobre a mesa. Deixou a câmara logo em seguida, sem olhar para trás. O barulho seco das lâminas cortando as gargantas não pode ser ouvido de onde ela estava, na antecâmara, mas pode ouvir os últimos sons guturais.
No sétimo dia, quando a lua estava cheia no firmamento, os doze novos comandantes, das doze aldeias do Reino do Gelo, entraram na câmara onde agora, ela ocupava a cadeira de seu mestre. Em sinal de reverência todos os cumprimentavam ao passar. Alguns em respeito pelos seus feitos, outros por medo, mas todos em conformidade com as suas leis.
O anel foi colocado em seu dedo e a consolidação estava concluída. A guilda de Seleska respondia a ela agora, integralmente, mas sabia que aquilo era apenas o começo. Muito ainda devia ser feito para deixar as coisas como elas deveriam ser. Muitos daqueles homens ali ainda tentariam matá-la em algum momento. O pior começaria agora, precisava aprender a reconhecer as serpentes que atacariam no futuro, pois estava entre elas e nada podia mudar esse fato. Sua vida era essa agora.
Do frio cortante do Reino do Gelo emergiu a maior guilda de Alluim, a guilda de Seleska. Sobre a mulher que a comandava muito se dizia, mas pouco se sabia.
Mapa ilustrado por Luciana Waack