sábado, 23 de janeiro de 2010

Sou um Gato


Auto Retrato Biográfico


Como se repara o mal que causamos? Será que podemos repará-lo? Às vezes essa pergunta me atormenta. Por que o ser humano tem que ser tão desconfiado? Será que a palavra de um semelhante não basta? Precisamos julgar um indivíduo pela amostragem geral?
Tudo me parece tão caótico nesse mundo em que vivemos. Quando confiamos pagamos por essa confiança. Quando não confiamos, pagamos pela desconfiança. Sempre permanece a pergunta: o que é certo? A tristeza dessa pergunta é que muitas vezes acabamos por descobrir o certo através do errado. Então, já é tarde demais.
Às vezes queria ser um gato. Não existe vida mais simples e corriqueira. Eles são independentes e espontâneos e nunca são julgados por isso. Comem quando sentem fome. Vivem suas vidas sem se preocupar com os outros. Divertem-se caçando borboletas. Tudo é tão simples quando se é um gato. Sem convívio social, sem trato social, e, principalmente, sem destrato social. Pouco ou nada importa a um gato se você gosta dele ou não. Nossas regras não se aplicam a eles, nem suas próprias regras são aplicáveis.
Às vezes acho que sou um gato. Não sei lidar com as pessoas. Só confio naqueles que se provam confiáveis. Vivo num mundo só meu. Magôo os outros sem a intenção de fazê-lo, simplesmente pelo fato de não saber me expressar. Ignoro todo o trato social. Infelizmente, apesar de saber dessa ignorância, continuo a cometer essa falta, pela simples inabilidade em não cometê-la. Só não tenho pêlo, e pulgas.
No entanto, acho que existe mais dignidade num gato do que em mim. Desculpa-se o gato pelas suas faltas, mas não se desculpa um ser humano. Como desculpá-lo? Se age como um gato então deixa de ser homem. Onde estão aquelas peculiaridades tão familiares aos homens? Falo daquelas peculiaridades humanas, daquelas que os gatos não possuem. Não falo do amor, isso os gatos têm. Eles amam e talvez, amem mais incondicionalmente que os homens. Não falo da confiança, os gatos confiam. Falo das peculiaridades civilizatórias. Peculiaridades que tornaram o homem a espécie dominante neste planeta. Falar, pensar, agir em conformidade com o que se pensa. Falo de honestidade, de sinceridade. Ninguém criticava o homem das cavernas por roubar a sua fêmea desejada.
Vê o problema? Essas peculiaridades civilizatórias, tão características e tão presentes nos homens são as mesmas responsáveis pelas dores da modernidade. Ser sincero e ser honesto magoa. Hoje em dia ninguém mais deve roubar a sua fêmea desejada. Pensar e agir se tornaram atos separados e independentes. Pensa-se de uma forma, age-se de outra. Quem pode então valorizar essas pseudo-qualidades? Diga sempre a verdade, doa a quem doer. Acho quem ninguém acredita nesse chavão. De que vale a verdade? Ela certamente não condiz com as humanidades. Mais vale uma verdade que causa uma lágrima ou uma mentira que causa um sorriso? Devemos optar pela hipocrisia ou pelo cinismo? Devemos ser falsos ou descarados? Qualquer que seja a resposta ela será mais bem vinda que a honestidade e a sinceridade. Para quê verdade? Afinal, ela será sempre um ponto de vista. Será sempre uma nuance. Sempre um resquício de civilidade.

Acho que as peculiaridades civilizatórias são mais constantes nos gatos. Não se vê um gato dissimulado ou desonesto. Isso simplesmente não faz parte da natureza deles. Suas atitudes são sempre genuínas e condizentes com aquilo que querem. Não são capazes de mentir, iludir ou enganar. Ser honesto causa uma lágrima e o ser humano não está capacitado para lidar com lágrimas. Os gatos estão. Talvez por isso digam que os gatos são donos de seus homens, e não o contrário. Talvez por isso os gatos ainda roubem as suas fêmeas. Talvez por isso ninguém goste dos gatos. Pensar e agir sempre serão partes iguais em mim. Não posso conceber um mundo que não seja assim. Talvez por isso eu seja um gato.

Um comentário:

Jossi disse...

Oi, Alicia!
Já coloquei o banner do seu blog no meu!
Hoje atualizei e postei mais algumas coisinhas... adorei o seu blog também, e já estou querendo saber mais sobre seu livro!

Parece muiiitoooo booommmm! Do estilo que eu gosto, rsrs!

Bjoss

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